UNIDADE DIGITAL

Leitura e o jeito de ver o que vivemos - por Marissol Prezotto

Educação em foco

01 Julho, 2018

Conversa vai, conversa vem, quando de repente escuto:

- Mari, não gosto de ler.

Doeu ouvir aquilo, mas dei aquela respirada e falei

- Jura? Por quê?

- Eu não gosto.

- Não gosta de nenhum tipo de livro? E os que retirou da Biblioteca Escolar só foram passear na sua casa?

Risos soltos....

- Não gosto. Começo a ler e desisto.

- Mas você não lê só livros da Biblioteca! E o que mais lê? Pense um pouco.

(...)2


Trabalhar com as dificuldades das crianças é um dos desafios de ser professor. Sempre que me deparo com algumas situações desse tipo em classe, coloco-me a pensar na minha constituição como pessoa-professora-pesquisadora e procuro estratégias de como trabalhar com crianças que apresentam dificuldades, sem desestimulá-las e procurando deslocamentos em um curto período de tempo. 

Eis, então, que me agarro nas diferentes possibilidades em que a leitura se faz presente em minha trajetória como professora e como podemos alargar o olhar para o mundo em que vivemos.

Dessa forma, ao apreender o instante vivido com a narrativa aqui apresentada, procuro ler nas entrelinhas e na ordem inversa dos acontecimentos para que o olhar e o trabalho ganhem dimensões diferentes, possibilitando uma aprendizagem mais significativa para as crianças e para mim mesma, como sujeitos em constante processo de formação.

Nessa busca de maneiras de fazer, fui percebendo que a leitura é o ponto que entrelaça o trabalho experienciado na sala de aula, seja ela para fruição ou não, seja individual ou partilhada, em pequenos ou grandes grupos.

A leitura permite aproximação com as crianças, em que a experiência do "outro" faz com que a sua seja ampliada, fecunda a imaginação e constrói sua identidade coletiva e individual3. 

Quando menciono leitura, refiro-me a diferentes tipos, seja de livros de literatura, de poesias, de imagens, de histórias em quadrinhos, de letras de música, de regras de jogos, de notícias de jornal ou revista infantil, de informações, de legendas em filmes... 

Nessas interações - sujeito cognoscente, sujeito mediador e objeto do conhecimento - o conhecimento vai se construindo e possibilitando a construção de uma prática social no cotidiano escolar4. 

A leitura possibilita o momento da escrita que é uma atividade concreta que consiste em um espaço próprio, seja a folha em branco, a tela do computador ou até mesmo um retalho de papel. No momento em que se registra, é possível ver a existência da organização das ideias e pensamentos e, para o professor, o momento de reflexão para formalizar sua prática e atuar sobre ela.

Dessa forma, venho procurando disponibilizar aos alunos, crianças ou não, diferentes leituras e registros para que possam encontrar sentidos e significados no que lê e escreve e, assim, ver o mundo de outra forma, um lugar em que possa perceber as sutilezas e as agruras do que se vive e das possibilidades de novas escolhas para si mesmo e para o grupo ao qual pertence e, assim, re.colher palavras de encontro com a leitura.

Após um tempo da reunião de pais, escuto de algumas crianças:

- Mari, a sua dica de ler uma história por dia está fazendo com que eu goste de ler e de querer um livro de capítulos.

Ou

- Eu ainda não consigo ler todo dia, mas já leio com entendimento o material do projeto e percebi que minha escrita melhorou.

Ou

- Estou começando a ler as legendas do filme e vi que minha leitura vem melhorando5.

Pequenas conquistas que comemoro com os alunos, propondo outras estratégias para que possamos, num futuro próximo, trans.formar a sala de aula e a leitura do mundo no qual vivemos.


Referências:

1 -  Marissol Prezotto: Professora das séries iniciais do Ensino Fundamental da Escola Comunitária de Campinas. Membro do Núcleo de Desenvolvimento do Educador - Unità Educacional. Coordenadora do Curso de Pós Graduação Alfabetização e Letramento - IBFE. Pesquisadora integrante do GEPEC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada da Faculdade de Educação da UNICAMP. Mestre e Doutora em Educação, área: Formação de Professores e Ensino e Práticas Culturais pelo programa de Pós-Graduação em Educação - Faculdade de Educação - UNICAMP. Pedagoga pela UNICAMP. Supervisora de Língua Portuguesa do PNAIC-PACTO UNICAMP 2013/2014. http://lattes.cnpq.br/5764087747512788

2 Narrativas da professora

http://www.cenpec.org.br/modules/news/article.php?storyid=591 acesso em: 25 mar. 2009

4 PREZOTTO, Marissol. A professora e os usos de si: entre o trabalho prescrito e o trabalho real na sala de aula. Dissertação de Mestrado. UNICAMP, 2003. 

5 Anotações em áudio da professora.