Pensar, conhecer e realizar - Caminhos que precisamos percorrer como docentes - por Jorge Luiz da Cunha

Ao tratarmos de educação nos deparamos com textos que apresentam a inserção do processo criativo como a solução para os dilemas nesse setor. As escolas mantem características de ensino do século 20, enquanto os estudantes já se encaminharam para o século 21, o que mudou o seu tempo de concentração, o interesse em tecnologia, a capacidade de receber e processar esta gama de informações, e a sociabilidade através das redes sociais, onde é preciso estar sempre conectado, mesmo que isso não tenha relação com a proximidade física entre as pessoas. Com isso, temos estudantes muito diferentes dos seus professores, e esse conflito não resulta em soluções criativas, mas na manutenção de práticas escolares que garantem a ordem e a aprendizagem. Não é de hoje que nos questionamos sobre os caminhos que precisamos percorrer para minimizar esse distanciamento entre o profissional do século XX e o estudante desta nova geração. 

Os profissionais da educação não são os responsáveis pelas falhas em estimular a criatividade no cotidiano da sala de aula, pois o currículo e a organização escolar não são pensados dentro dessa perspectiva. Apesar disso, as escolas e seus profissionais não precisam ser reduzidos a cumprir o conteúdo programático, e com isso formar cidadãos previsíveis, o que está em desacordo com o cenário externo em que as mudanças ocorrem num ritmo acelerado, seja na tecnologia, nas ciências e até mesmo em setores sociais e culturais, que antes nos pareciam mais lentos. Para viver na nossa sociedade os saberes básicos de sala de aula deveriam se fundir com a capacidade de aprendizado autônomo dos estudantes, e isso desenvolveria neles a reflexão de si e do meio em que vivem.

A partir do livro "Ócio criativo" do professor e sociólogo italiano Domenico de Masi, é possível refletir sobre o entendimento de que a criatividade só é acessada por meio da felicidade. Na obra publicada em meados da década de 1990, o autor causou polêmica ao afirmar que existem dois diferentes tipos de ócio, o que é vazio e inútil, e o outro ócio que nos torna livres e aptos a produção de ideias. Com isso, ele pretende reinterpretar o sentido da palavra ócio ao não associa-la com o conceito de preguiça, e desenvolver a compreensão do ócio criativo como a união entre trabalho, reflexão e lazer. Domenico de Masi desenvolveu o conceito de ócio criativo, pois estava insatisfeito com o modelo de trabalho e competitividade vigente. 

No começo do século 20, o conceito de trabalho estava relacionado a gestos repetitivos, o que limitava a produção ao maior número de horas trabalhadas, entretanto o entendimento sobre o trabalho e a produção em nada mais se parece ao que podia ser observado no século passado. Com isso, fica a dúvida, seria preciso trabalharmos tantas horas em setores, como a educação, em que o desenvolvimento do processo criativo e da reflexão são fundamentais para o desenvolvimento profissional e humano? A resposta sobre essa questão, para Domenico de Masi, é negativa, pois para ele só através do ócio criativo as pessoas viveriam melhor e alimentariam a própria criatividade. Em nossa sociedade o tempo é o bem mais precioso de que dispomos, e ele é exigido em nossas atividades diárias que demandam a nossa atenção imediata e prática. Mas, como o próprio autor propõe, o ócio criativo não é uma solução para todas as pessoas, mas é outra possibilidade para o trabalho, em que através da criatividade acessamos a felicidade. 

Em sua última entrevista, o filósofo Zygmunt Bauman falou ao jornal italiano Il Messaggero, sobre a felicidade. Esse tema já havia sido objeto de sua investigação e entrevistas, e nesta ele apresenta as duas compreensões sobre felicidade. Primeiro, a felicidade na sua visão mais popular pode ser representada como uma vida plena repleta de momentos agradáveis, e que não deve ser importunada por problemas e desafios. Enquanto que a outra vertente entende que uma vida feliz não está livre de desafios, mas que é preciso supera-los para encontrar a felicidade. Apesar da complexidade de definir o conceito de felicidade, o que temos é uma sociedade que busca ser cada vez mais feliz, não no sentido pleno da palavra, mas numa busca quase automática, em que, segundo Bauman, cada momento de felicidade deve ser melhor que o anterior.

Na entrevista, ele retoma um dos seus pensamentos sobre a felicidade, a partir de um dos seus conceitos mais famosos, o de sociedade líquida. Nela nada permanece por muito tempo, logo vivemos numa sociedade de constante novidade, e a ausência de certezas gera ansiedade. Esse sentimento é acentuado pela compreensão de felicidade como um equilíbrio entre liberdade e segurança, que também são apresentados pelo autor como fundamentais para a dignidade humana. Ao fortalecermos uma delas, diretamente enfraquecemos a outra, e para ele o equilíbrio para a felicidade na sociedade está em dosa-las. Ao realizarmos uma rápida busca na internet, encontramos inúmeros cursos e disciplinas universitárias interessadas em discutir sobre o conceito de felicidade, tanto no cenário nacional quanto no internacional. Enfim, precisamos estar plenos, seguros e livres, e, portanto, felizes, para que possamos desenvolver a nossa criatividade.  

Dessa maneira, ao tratarmos sobre a criatividade na educação, não devemos desconsiderar o contexto social em que os profissionais da educação estão inseridos. Pois, é preciso levar em consideração a felicidade, balizada através da segurança e da liberdade, e a necessária discussão sobre as mudanças na compreensão sobre o trabalho no século XXI. Sendo que, só a partir do atendimento dessas duas perspectivas é que atingiremos o processo de criatividade, amplamente defendido, e que se apresenta como o percurso a ser percorrido pelas escolas que estão atentas as novas exigências do mundo contemporâneo.