Pensar, conhecer e realizar - A educação como projeto humanizador - por Jorge Luiz da Cunha

Não há como tratar da educação sem reportar-se a cultura que estabeleceu as bases de nossa civilização. Os gregos provavelmente criaram as condições culturais que lhes permitiram lançar os fundamentos do que hoje identificamos como educação ocupando-se, especialmente em Atenas durante grande parte dos séculos 4 e 5 a.C., com a tentativa de produzir uma resposta satisfatória para a pergunta ontológica: - qual o sentido e o significado da existência humana?

Abrindo mão de qualquer alternativa mítica, os gregos produziram uma resposta que considero especialmente singular e original, especialmente no contexto das culturas e civilizações humanas anteriores e contemporâneas a sua:

- Nós seres humanos existimos para nos tornarmos plena e completamente humanos. E aí, somente aí, neste processo imanente e temporal de constituição de nós mesmos por vontade individual e ação política, residem as possibilidades de criação e construção das condições materiais e imateriais de nossa realização e felicidade.

Considerando que nós não nascemos conclusos, isto é, não nascemos plenos e completos humanos, é necessário que sejamos submetidos durante nossas vidas a um projeto de humanização. Para os gregos este processo é responsabilidade de todos os cidadãos da Pólis. Trata-se da Paidéia, processo político quase sempre traduzido como formação do homem grego, ainda que a palavra formação, na língua portuguesa, apresente-se precária para dar conta da dimensão semântica do conceito grego.

Resumidamente podemos entender a Paidéia a partir de três aspectos fundamentais:

- A formação física, que compreende toda a estrutura material para garantir bem-estar, saúde e segurança (acesso a água potável, alimentos saudáveis e acessíveis, habitações seguras e confortáveis, proteção dos mais frágeis - orfanatos, asilos, hospitais, casas de viúvas -, estruturas de esporte e lazer como praças e ginásios). Atualmente é o que atribuímos como tarefa dos governos, especialmente das municipalidades;

- A formação intelectual, que diz respeito, de um lado, ao acesso a informação sobre tudo o que já foi produzido historicamente pelo esforço humano de produzir conhecimento (no presente seria o que costumamos chamar de conteúdos das disciplinas escolares); e, de outro lado, a problematização destes conteúdos. De tal forma que todos os envolvidos neste aspecto da Paidéia, com o passar do tempo, adquirissem o habitus de questionar, criticar e refletir, para finalmente produzir criativamente novas respostas, habilitando-se a contribuir para a solução dos problemas presentes e futuros da Pólis a que pertenciam. A tarefa da formação intelectual dos cidadãos era delegada aos que dentre todos se mostrassem mais afeiçoados ao conhecimento e a sabedoria, os filósofos (categoria que aqui ultrapassa em muito o papel contemporâneo de um professor de filosofia, não raro reduzido a mero transmissor de informações sobre a história do pensamento humano). Como se vê, aqui está o fundamento do que hoje entendemos como educação, em seu locus principal, a escola.

- A formação moral e espiritual tinha como espaços de realização a Àgora, onde se reunia a Eclésia, assembleia dos cidadãos da Pólis, para discutir os problemas da comunidade e contribuir para a sua solução; e os tribunais e os templos. Nestes lugares os cidadãos em formação conviviam com adultos que eram reconhecidos e respeitados por sus postura moral e ética diante de seus concidadãos.

Ainda que a Paidéia grega em seu tempo fosse um projeto de humanização e cidadania restritos aos homens livres da Pólis, excluindo estrangeiros, escravos e mulheres, não resta dúvida de que lançou as bases do reconhecimento do papel do conhecimento e da autonomia na construção da cidadania e da plenitude humana.

Nestes mais de dois milênios de desenvolvimento do conceito de educação, chegamos a condição de compreender a necessidade de um profundo compromisso com o humano em plenitude e com o planeta com todas as coisas nele criadas e desenvolvidas. Trata-se de compromisso pedagógico e político com o exercício da inteligência, que no esforço de conhecer sem dispensar ou discriminar qualquer fruto da aplicação da inteligência humana - ciência e tecnologia -, não negligencia a ocupação com a felicidade de cada um e de toda a comunidade. Este educar cuidando deve ter um caráter lógico, sistemático e crítico, que apresenta uma visão humanista do mundo. Visão essa que se anuncia mais pela autoridade do educador em seu jeito de estar e agir no mundo, do que por práticas ideológicas e doutrinárias, que apenas domesticam, mas não dão autonomia para o desenvolvimento do verdadeiramente humano.