Música, Neurociência e Aprendizagem - A música e a doença de Alzheimer - por João Rilton
10 Outubro, 2017
Me lembro da primeira vez que entrei em contato com uma pessoa que havia desenvolvido a doença de Alzheimer: uma doença cerebral degenerativa, que vai pouco a pouco destruindo o cérebro, aniquilando memórias e trazendo outros problemas de ordem cognitiva, emocional e motora. Era um grande amigo, advogado e compositor, que precocemente desenvolvera a doença. No dia do funeral desse amigo, que aconteceu sete anos após o diagnóstico da doença, a sua esposa nos confidenciou que no final da doença ele se tornara uma pessoa muito agressiva. Ele não reconhecia mais os rostos das pessoas próximas. Porém, a única coisa que o acalmava nesses momentos de surto, era ouvir as gravações que havíamos feito de suas composições. Apenas a audição daquelas antigas gravações autorais era capaz de estimular aquele cérebro já muito prejudicado.
Na França, o professor e cientista Harvé Platel, que ocupa a cadeira de neuropsicologia na Universidade de Caen, desenvolve muitos estudos sobre as influências da música sobre a memória humana e os seus benefícios para o paciente portador de Alzheimer. O cientista é categórico em dizer que a música exerce efeitos positivos sobre o cérebro de pacientes com a doença de Alzheimer, mesmo não podendo comprovar que ela evite o surgimento da doença, pode-se comprovar que ela traz mais qualidade de vida ao paciente e promove um "aprendizado inconsciente" ao cérebro. Sim, a pessoa pode continuar a desenvolver pequenos aprendizados através da música, já que é muito mais fácil, para pacientes com Alzheimer, gravar as palavras em uma frase cantada do que gravar textos lidos ou recitados. A música, por sua capacidade única de alta estimulação das áreas cerebrais, faz com que o cérebro do doente continue em atividade, contribuindo para o prolongamento da atividade cerebral.
Um vídeo que circula pela internet, e que é comentado pelo cientista Oliver Sacks, causa muita comoção em quem assiste. O vídeo mostra Henry, um homem de idade avançada, que por conta do estágio de desenvolvimento da doença, permanece quieto e imóvel, com a cabeça baixa e quase sem responder aos estímulos externos, dentro de uma clínica para doentes de alzheimer. Mas, quando uma enfermeira se aproxima e coloca música para Henty escutar através de fones de ouvidos, um fenômeno acontece. O homem sai da sua postura inerte e passa a arregalar os olhos, a se movimentar e a cantar junto com a canção. Uma real transformação acontece quase que instantaneamente naquele homem. E o que é o mais interessante: os efeitos permanecem presentes mesmo depois da retirada dos fones de ouvido. É como se Henry tivesse renascido com os efeitos da música.
Na cidade de São Paulo, um grupo de músicos está inovando em relação às estratégias para lidar com pacientes com Alzheimer. Eles criaram a "música biográfica": um tipo de música que segue uma melodia bem conhecida pelo paciente, mas que contém dados biográficos da própria pessoa. Nomes de parentes e histórias pessoais são contadas nas letras. O cérebro se interessa muito por música e a memorização está diretamente ligada à estímulos gerados pela emoção. Essa técnica artístico-terapêutica vem demonstrando resultados significativos na melhora da qualidade de vida do portador de Alzheimer, e deve ser utilizada logo no início do diagnóstico.
O Alzheimer é uma doença degenerativa sem cura. Dados de pesquisas indicam que a cada 4 pessoas com mais de oitenta e cinco anos, uma delas desenvolverá a doença A música se mostra como uma das melhores opções para estimular regiões de alto processamento cognitivo, como memória e cognição, trazendo assim mais qualidade de vida para o paciente e para sua família. Por tudo isso, VIVA A MÚSICA!